Dá-me notícias de mim

Dá-me notícias de mim

Se numa noite de outono um viajante viesse trazer-me notícias dela, eu não o maçaria, caro leitor. A minha alma estaria cheia e eu não precisaria de si. Mas preciso. Da sua presença silenciosa a provar que ainda há espaço no mundo. Vinte e nove dias sem sair de casa. A voz que ouço, quando a ensaio, já não me reconhece. Um eco que perdeu a origem. Posso pedir-lhe que se sente ao meu lado? A sua presença apazigua-me.

É noite. É outono. Mas não há viajante. Nem notícias dela. Só a chuva miúda que escorre para lá desta varanda onde nos abrigamos. Veja como o asfalto reflete a luz dos faróis lá em baixo na avenida. E todas as luzes dos candeeiros que se perfilam, estáticos, um longo exército de soldados sem guerra aparente. A minha também é invisível.

Perdoe-me. Falo demais. Logo eu, poeta, a enchê-lo de prosa.

Pesam-me os olhos. Que figura é aquela que sobe pelo plátano? Eu e ela sempre receámos que alguém chegasse a esta varanda, subindo assim. Gabardina cor de noite, chapéu largo a tapar o rosto. Será um viajante? Vejamos que notícias traz.

Uma fotografia na mão. Eu e ela no último jantar fora. Já estava doente, mas quis ver o mar. Desvanece-se, o viajante.

Leitor, onde vai? Não lhe dei permissão para entrar na sala. Apossa-se assim da minha casa? Espere. Não consigo segui-lo com facilidade. Estou cheio deste vazio, apenas coberto por um simulacro de ossos e pele.

Esse álbum que tem nas mãos é antigo. Memórias em papel cansado que ainda respiram. Eu sempre com ela. Ela nunca sem mim. Veja como corre. O cabelo a fugir-lhe do rosto, um pé no ar, o corpo inclinado para o riso, o sinal do lábio a chamar. Como pode estar tão quieta agora? Repare: a presença dele é sempre distante, como uma ausência que não se vê. Porque acaricia a fotografia com essa familiaridade? Parece que quer o protagonismo na minha história.

Uma mensagem. A minha excêntrica amiga que não desiste de mim. «Quando sais de casa? Tenho o guarda-chuva pronto.» É uma coisa nossa, isto do guarda-chuva. Com o meu, protegi-a da água que teimava em molhar o pior dia da vida dela e de alguns olhares de curiosidade mórbida. Agora, quer retribuir. Mas eu não quero proteção, apenas esquecimento. Flutuo num limbo onde o tempo se dissolve. Nem dentro nem fora do mundo.

Sim, tem razão. Nunca houve outro amor. Tanta vida perdida. É o que dizem. Agora? Não, é tarde. Falta-me vontade, perdi o rumo. Não saberia viver entre os normais. Fazer o expectável. E se não fosse capaz? E se tivesse de enfrentar o fracasso? Muito pior do que manter esta distância do mundo. Por outro lado, há um chapéu-de-chuva à minha espera… Não, não vale a pena tentar. Não me tente, leitor. A sua existência serve apenas para me ouvir. Não amue. Sabe que não é real e que a qualquer momento posso esconjurá-lo.

Está escuro. Cada vez mais escuro. E frio, não sente? A sala parece cada vez mais pequena. São muitas tralhas acumuladas ao longo da vida. Não, não sou velho. Sou poeta. Gosto de coisas velhas. Esta pequenez é que é nova.

Não se assuste, é a campainha da entrada do prédio. Toca de vez em quando. Aqui em cima, nunca. O elevador só para neste andar se eu der permissão.

Tem razão. Agora é a campainha cá de cima. Ignoremo-la. É noite. É outono. O viajante já se foi e não trouxe notícias. Que insistência. Vou espreitar pelo óculo. Mantenha-se silencioso. Os tapetes cobrem quase todo o pavimento, abafam os meus passos. E eu estou leve. Um vazio coberto de ossos e pele, lembra-se? Venha, fique ao meu lado.

Impossível! A minha excêntrica amiga parada no hall. Veja bem. Veste uma gabardina cor de noite e usa um chapéu largo que lhe tapa quase todo o rosto. Um pouco mais largo e não a reconheceria. Sim, traz sempre vestido aquele sorriso aberto. Mesmo em noites de outono. Espera que eu abra a porta. Paciente como só quem conhece a dor sabe ser. Já vi, não precisa de o assinalar. Na mão esquerda, um chapéu-de-chuva, as cores a ferirem o escuro.

Voltemos à sala. Não insistirá muito tempo se eu não responder. Sempre respeitou os meus silêncios.

A campainha repete-se. Não, leitor, já lhe pedi que não me tentasse. Deixe-me neste silêncio. Falo a linguagem desta vida. Como saberia eu articular as palavras da outra? Ela espera uma voz diferente que eu desconheço. A escuridão faz-se mais densa. Melhor assim. Só não percebo porque se encolhem as paredes. Talvez seja o vazio a ganhar corpo. Esta casa coube em nós dois; agora apouca-se. Teria bastado o colo em que ela sempre me protegeu. E o meu que tanto a amou. Não. Como abandonar o local onde criou raízes o útero sagrado que me acolheu, cordão umbilical jamais cortado? Não pode haver outra vida. Não pode haver vida. Mas aqui sufoco. Estas paredes que se vão apertando. E a campainha que não para.

O óculo. Saia da frente. Ela continua ali, o sorriso aberto. E aquelas cores do chapéu-de-chuva a estrelejarem. Não precisa de me apontar o cabide. O meu sobretudo repousa aí há vinte e nove dias.

Deixe-me virar para a sala. Está bem, fico de lado. A sala da direita, a porta da esquerda. Como é que de repente há tanto breu nesta casa e tanta luz fora dela? Leitor, que sinal é esse no seu lábio? Leitor! Onde está? O óculo. Tanta luz. E se numa noite de outono uma viajante…

Engulo o silêncio, tento firmar as pernas bambas, é o coração que num dos descompassos pega no sobretudo e roda a maçaneta. A porta liberta-se.

O sorriso que me espera abre o chapéu-de-chuva, o braço separa-se um pouco do tronco, criando o espaço exato onde cabe a minha mão.

— Vamos?

— Vamos, viajante. Dá-me notícias de mim.

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Paula Campos

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O armário, a miúda e o acaso

O armário, a miúda e o acaso

Eu era miúda e virei armário. Não é metáfora, não nesse dia. Foi literal: o corpo pequeno encurralado entre o tanque da roupa e a pia de despejos, e uma avalanche de copos, garrafas, vasos, tudo misturado com o estrondo que ainda hoje consigo ouvir quando fecho os olhos.

O armário não era de confiança. Parecia firme, mas era composto por dois andares: a parte de cima, leve de aspeto, mas pesada no conteúdo, pousava sobre a de baixo sem qualquer fidelidade. Eu, que tinha a mania de procurar o que estava acima do meu alcance, decidi empoleirar-me num banco para espreitar. A curiosidade era a minha forma de subir ao mundo, sempre convencida de que as prateleiras guardavam segredos.

O banco cedeu, o armário tombou, o vidro multiplicou-se em estrelas cintilantes pelo chão. Foi como se tivesse rebentado uma bomba. Eu caí com ele, mas sem me magoar. A minha pele saiu limpa, sem um risco, sem um arranhão. O barulho, esse, ficou dentro de mim, como se a memória tivesse escolhido guardar apenas o susto.

Os meus pais vieram a correr. Primeiro, o silêncio incrédulo — não sabiam se a casa ainda estava inteira. Depois, o desespero de imaginar-me esmagada sob os escombros de cristais domésticos. E, por fim, o espanto de me verem inteira, embora lívida, a respirar como quem acabara de regressar de um mergulho no mar.

Sempre achei que nesse dia a sorte se sentou comigo. Talvez um anjo trapalhão tenha dado um jeito ao ângulo do armário, talvez o banco tenha servido de escudo improvisado, ou talvez o mundo tenha, por um instante, suspendido as leis da física. Eu não me magoei. Só o armário morreu.

Às vezes, penso que esse episódio me deu a primeira lição: a vida é feita de desastres que, felizmente, para muitos, nunca chegam a acontecer.

Há acidentes que nos tocam apenas pelo susto, como ensaios de tragédia. Eu fiquei com essa impressão: que vivi um ensaio, e que a estreia oficial foi adiada.

Depois, cresci com a convicção de que nada é mais perigoso do que a curiosidade. Mas também nada é mais vital. Aquele impulso de subir ao banco, de querer ver para lá do permitido, foi o mesmo que mais tarde me levou a abrir livros escondidos, cartas guardadas em gavetas, diários que não eram meus. Talvez ainda hoje eu viva nesse risco — de tombar armários invisíveis para espreitar o que há lá em cima.

Se pudesse reescrever a cena, talvez desse outros contornos à história. Imagino-me esmagada sob um monte de copos e garrafas, mas a sair de lá vestida de vidro, como uma princesa improvisada, coroada por cacos. Ou, quem sabe, poderia ter descoberto dentro do armário um mundo secreto, como nas histórias em que os móveis escondem passagens para reinos longínquos. Em vez de cacos, teria encontrado florestas, cavalos brancos, talvez um príncipe desajeitado. Mas não. O que encontrei foi o nada — ou melhor, a prova de que o nada também pode ser um milagre.

O mais engraçado é que nunca mais consegui olhar para uma cristaleira sem lhe medir a perna. Entro em casas e calculo mentalmente: se isto tombasse, quem sobreviveria? Às vezes, penso que cada móvel é uma ameaça disfarçada, à espera de curiosidade. Noutras vezes, acho que todos os móveis do mundo conspiram para me proteger, como se tivessem feito um pacto depois daquele dia.

Os meus pais, durante anos, contaram a história às visitas. Era uma espécie de lenda doméstica: a filha endiabrada, tal como a do livro A trinta diabos de Enid Blyton, que sobreviveu a uma bomba de vidro. Eu ouvia-os repetir a narrativa, cada vez mais exagerada, e pensava se um dia eu própria acreditaria nessa versão em vez de na minha. Porque a memória também é isso: um armário que cai, mas de cada vez com um peso diferente.

Se fecho os olhos, ainda vejo o chão coberto de vidros. Mas já não tenho medo. Pelo contrário, há uma beleza no estilhaço: a luz refletida em cada pedaço, como se um arco-íris tivesse caído em fragmentos. Talvez a infância seja isso — uma sucessão de quedas que transformamos, depois, em vitrais.

E é curioso: não me lembro do cheiro, nem da cor dos vasos partidos, nem sequer do tom de voz dos meus pais naquele instante. Mas lembro-me da sensação de estar de pé, ilesa, no meio do caos e dos cacos. Como se tivesse descoberto, pela primeira vez, que sobreviver é uma arte — e que não depende só de nós.

Cresci, e muitas vezes senti que o armário ainda me acompanha. Nas escolhas arriscadas, nos amores precipitados, nas viagens sem mapa — sempre essa vertigem de cair e não me magoar. E, quando me magoei, foi como se finalmente o ensaio tivesse dado lugar à peça verdadeira. Mas mesmo aí, talvez por herança desse dia, aprendi a olhar para os cacos e a encontrar neles alguma ordem secreta.

Hoje, penso que talvez a miúda que fui nunca tenha saído de baixo do armário. Talvez ainda esteja lá, de pé, intacta, cercada de estilhaços, enquanto eu — a que escreve — não passe de uma invenção que ela sonhou para se distrair.

Porque afinal, o que é a memória senão um armário tombado?

E se volto agora a essa cena, é porque nela encontro a origem de tudo: da curiosidade que me move, da coragem inconsciente que às vezes me salva e até da mania de transformar acidentes em histórias. Se o armário não tivesse caído, talvez eu tivesse crescido igual, mas sem esta convicção secreta de que há sempre algo no mundo que me aparará a queda.

Não sei se isso é fé, destino ou pura ingenuidade. Sei apenas que, nesse dia, a vida decidiu não me magoar, decidiu sorrir para mim — e, desde então, carrego esse sorriso como um escudo invisível.

 

Texto Vencedor
a lingua do corpo

A língua do corpo

Clara sempre soubera escutar com as mãos.

Não era metáfora, era vocação. No seu consultório, investigava corpos que se haviam calado há demasiado tempo. Como fisioterapeuta especializada em disfunções pélvicas, mapeava territórios íntimos através de técnicas aprendidas em congressos discretos, onde terapeutas trocavam segredos que ainda não tinham nome autorizado.

O seu caderno era um diário de arqueologia íntima: mulheres cujos orgasmos se perderam após partos violentos, outras marcadas por relações corrosivas, vaginas que se fecharam como flores noturnas. Cada caso era um puzzle sensorial que investigava metodicamente: que palavras despertavam tremores? Que toques libertavam memórias enterradas? Onde se escondiam os mapas do prazer perdido? Os músculos guardavam tudo, tensos como cofres sem chave.

Mas foi com Laura que tudo se tornou pessoal.

Chegou numa manhã húmida de março, o passo firme contrastando com o olhar fugidio. Trinta e nove anos, casada há quinze, mãe de dois filhos. A queixa era familiar:

— Não sinto nada há anos. É como se o meu corpo tivesse esquecido como é… viver. Como se fosse uma casa onde todas as luzes se apagaram.

Clara ouviu, tomando notas não apenas das palavras, mas dos gestos: como Laura cruzava as pernas, como evitava o próprio olhar no espelho. E decidiu aplicar o seu protocolo mais ambicioso: mapeamento somático da memória erótica. Cada sessão seria investigação, para Laura e, secretamente, também para si.

— Vamos explorar o corpo como quem desenterra um segredo antigo — disse-lhe na primeira sessão, preparando o ambiente com luz suave. — Vais aprender a escutar-te com precisão.

Começaram por exercícios de respiração consciente e toques terapêuticos na região abdominal. Clara observava alterações subtis: um arrepio involuntário, um estremecimento impercetível, um rubor que subia pelo pescoço. Anotava tudo meticulosamente. Não como fisioterapeuta distante, mas como exploradora de um território vivo.

— É estranho — disse Laura, numa quarta sessão, os olhos fechados. — Sinto-me a conhecer uma mulher que vive dentro de mim, mas que eu trancara numa cave escura há décadas.

Clara sorriu profissionalmente, mas por dentro, algo nela também despertava. Cada redescoberta de Laura brilhava no seu próprio corpo, adormecido por rotinas clínicas e uma solidão bem treinada.

Na quinta sessão, Laura pediu para ir mais fundo.

— Quero saber o que está guardado lá dentro. Tenho a sensação de que há coisas importantes escondidas.

Clara explicou o protocolo, a importância do consentimento contínuo, os limites inflexíveis. Quando os seus dedos encontraram um ponto de tensão profunda, Laura arquejou, não de dor física, mas de algo mais antigo.

— Tinha dezassete anos — murmurou, olhos fechados, a respiração alterada. — Ele disse que eu nunca saberia dar prazer a ninguém. Que havia algo fundamentalmente errado comigo.

Clara permaneceu em silêncio, mas sentiu o próprio pulso acelerar. A sala ficou suspensa numa intimidade quase sagrada.

Depois dessa sessão, algo mudou decisivamente. Laura passou a explorar-se em casa com rigor, seguindo as instruções que Clara lhe dera, partilhando descobertas com uma franqueza crescente que fazia Clara corar quando relia as notas.

— Descobri que se tocar precisamente aqui — indicava um ponto subtil — e respirar de uma forma específica, o corpo começa a… acender. Como se voltasse a lembrar sensações perdidas.

Clara escutava, anotava com precisão. Mas as noites tornaram-se exercícios de autocontrolo, o corpo lembrando-se de sensações que pensara esquecidas. Não era ainda desejo declarado — era antecipação crescente. A proximidade física, a vulnerabilidade partilhada, uma linha ténue que tremia entre profissionalismo e fascínio genuíno.

Na oitava sessão, durante um exercício intenso de respiração pélvica, o corpo de Laura começou a tremer incontrolavelmente. Clara recuou ligeiramente e limitou-se a acompanhar o fluxo com a própria respiração sincronizada.

Não houve grito dramático. Apenas uma suspensão prolongada no ar, como se o tempo hesitasse perante algo sagrado. Um estremecer que subiu do ventre aos lábios entreabertos, contido, mas absolutamente inegável. E depois um sussurro:

— Pensava que isto era impossível para mim.

Clara ficou imóvel, quase sem respirar. Sentiu um calor desconhecido espalhar-se-lhe no ventre. Não era excitação bruta, era outra coisa mais complexa, como se o corpo de Laura, ao reencontrar-se, tivesse também chamado o seu de volta à vida.

Na sessão seguinte, Clara tomou a decisão mais difícil da carreira.

— Laura, preciso ser honesta. Estou a ultrapassar um limite ético fundamental. Desenvolvi sentimentos que colocam em risco a integridade terapêutica. Proponho encaminhá-la para outro profissional.

Laura ficou em silêncio por longos momentos. Depois, pousou a mão sobre o próprio colo, gesto pequeno, mas sereno.

— E se eu lhe disser que também sinto algo semelhante? Não apenas gratidão… mas algo que começa a parecer desejo?

Clara baixou os olhos.

— Isso não muda o facto de eu ter responsabilidade ética sobre o teu processo.

— Então termina oficialmente — disse Laura com determinação. — E depois, se quiseres… conversamos como duas mulheres que se encontraram no momento certo.

Clara acenou relutantemente. Nas três sessões finais, o ar tornou-se progressivamente mais denso. Cada toque era medido ao milímetro. A tensão flutuava entre elas, presente, mas não nomeada.

Laura completou a jornada de reconexão com um brilho novo no olhar.

No relatório final, Clara escreveu:

“Paciente restabeleceu a ligação com a própria sexualidade através de abordagem somática guiada. Objetivos terapêuticos atingidos com sucesso.”

Não mencionou o café marcado duas semanas depois. Nem o vestido azul-claro que Laura usava, leve, solto, como se também a pele tivesse aprendido a respirar sem constrangimentos.

Algumas histórias de cura revelam-se simultaneamente histórias de despertar erótico. Mas só quando cada uma acontece no seu tempo sagrado podem verdadeiramente entrelaçar-se.

NOTA:

Para escrever este conto, pesquisei sobre fisioterapia pélvica e as abordagens somáticas de recuperação do prazer feminino após trauma ou eventos clínicos.

Falei com uma fisioterapeuta que trabalha especificamente nesta área e consultei casos clínicos que constam na internet e textos sobre o corpo, trauma, memória e desejo.

Quis investigar não só o erotismo físico, mas também o emocional.

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Ana Leal

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O Cavalo de Sal e a Flor Azul

O Cavalo de Sal e a Flor Azul

Mariana acordou antes de Sol nascer. O vento sacudia as persianas do quarto e o rugir das ondas chegava-lhe como um bater de tambores antigos. Levantou-se devagar, sentindo o soalho frio nos pés. Espreitou pela janela e viu o oceano estender-se até ao horizonte, com véus brancos de espuma a dançar à superfície. Uma inquietação apertava-lhe o peito.

Desde pequena, as águas fascinavam-na e assustavam-na em partes iguais. Gostava de as ouvir, de ver as vagas enrolarem-se e rebentarem, mas temia a sua imensidão, aonde se escondem segredos difíceis para uma criança entender.

Nessa madrugada, porém, tudo parecia diferente. O oceano respirava mais depressa e o vento trazia um cheiro a sal e mistério. Sem dizer nada a ninguém, vestiu o casaco, calçou as botas e saiu para a praia. A areia fria e húmida, colava-se às solas como lama. O céu clareava num azul desmaiado, mas a superfície líquida mantinha-se escura e furiosa.

Foi então que o viu.

No meio da ondulação, uma figura emergiu. Um cavalo, feito inteiramente de sal e espuma, a crina agitada pelo vento como véus de bruma. Tinha olhos enormes, profundos que brilhavam sob a luz trémula da lua.

Mariana parou, incapaz de avançar ou fugir. O cavalo aproximou-se, caminhando sobre a água como se fosse terra firme. Quando chegou junto dela, baixou a cabeça até à altura do seu rosto. Entre os cascos brilhava uma flor azul, delicada, quase translúcida. A voz do cavalo soou grave, ecoando como ondas a rebentar nas rochas.

— O oceano está doente, Mariana. Correntes negras crescem no seu fundo. Os homens descuidaram a beleza das suas memórias e esqueceram-se de respeitar as águas. E agora, sangra sal.

Mariana recuou um passo. O vento cortava-lhe a pele como lâminas frias.

— Mas… eu sou uma criança. O que eu posso fazer?

O cavalo inclinou o pescoço, aproximando ainda mais o focinho dela. Nos seus olhos havia algo de extraordinariamente familiar, uma ternura que a fez engolir em seco.

— Esta flor é a última promessa do mar. Está a perder a cor. Só quem guarda recordações felizes pode fazê-la brilhar de novo. Tu tens essas recordações, Mariana. Queres ajudar?

Ela desviou o olhar. Sentia-se pequena diante daquela imensidão, como se a força do oceano fosse demasiado vasta para qualquer esperança. Uma parte dela queria voltar para casa e ficar no quarto. E se falhasse? E se o oceano a engolisse também? Nunca fora corajosa.

Gostava mais de ver as águas ao longe, de ouvir-lhes o canto sem se aproximar.  Mas, nesse instante, lembrou-se da avó, do jardim cheio de camélias, do som do rio junto à casa. E lembrou-se das palavras que a avó repetia tantas vezes: «“Mesmo quem parece frágil guarda dentro de si a força do mar inteiro.»”

Ergueu o olhar. O cavalo fitava-a com olhos brilhantes, e, durante um segundo, Mariana teve a certeza de reconhecer nele o mesmo brilho terno que via nos olhos da avó, quando esta lhe contava histórias à lareira. Como se aquela criatura fosse feita não só de espuma e sal, mas também de lembranças antigas.

Inspirou fundo. Ainda tremia, mas estendeu a mão.

— Quero ajudar.

O cavalo pareceu sorrir, num movimento subtil da cabeça.

— Então vem. Ainda há sombras para derrotar.

Guiou-a até ao rochedo mais alto. As ondas batiam com violência, lançando jorros de espuma branca semelhantes ao fumo. A subida era íngreme. O vento rugia, puxava-lhe o cabelo, chicoteava-lhe o rosto com sal e frio. As pedras estavam molhadas e Mariana escorregou mais do que uma vez.

Enquanto subia, ouviu vozes misturadas no vento. Sussurros que a faziam querer desistir:

— És pequena demais.

— Não salvarás nada.

— O oceano é maior do que tu.

A cada passo, o medo enchia-lhe o peito como água gelada. Mas, lá no fundo, a voz da avó ecoava, firme, como um farol: «“Mesmo quem parece frágil guarda dentro de si a força do mar inteiro.»”

Respirou fundo, agarrou a flor azul com força e continuou a subir. A imensidão lá em baixo rodopiava em redemoinhos negros, como se escondesse segredos que ninguém devia conhecer. Chegou ao topo, ofegante, o coração a martelar-lhe nas costelas. O Sol começava a rasgar as nuvens, lançando raios dourados sobre a superfície líquida.

O cavalo aproximou-se, a voz agora baixa, quase um sussurro:

— Agora, Mariana. Mostra ao mar a luz que tens dentro de ti.

Ela ergueu a flor azul, mesmo quando o vento quase lha arrancava das mãos. Fechou os olhos e deixou que as recordações lhe percorressem o corpo como um calor suave: o jardim florido, o cheiro adocicado das camélias, o riso cristalino da irmã, o aconchego da mãe. Essas memórias vibraram dentro dela como cordas de um instrumento antigo.

Quando abriu os olhos, a flor azul brilhava com uma intensidade nova. O azul tornara-se profundo, luminoso, como uma chama acesa. A luz espalhou-se pelas águas. As vagas acalmaram, o rugido do oceano transformou-se num sussurro doce. O ar encheu-se de um silêncio cheio de significado no qual cabia a paz.

O cavalo fitou-a, os olhos agora serenos, quase humanos.

— Lembra-te sempre, Mariana. Quando a tempestade voltar, há dentro de ti uma flor azul que nunca se apaga.

E, lentamente, o cavalo começou a dissolver-se, transformando-se em espuma que subiu com o vento, como uma canção que se esfumava no ar. E ela, desceu devagar, sentindo o corpo cansado, marcado pelos pequenos cortes, mas de peito leve e cheio de uma força nova.

Em casa, encontrou a avó adormecida na poltrona, com o bordado colorido sobre o colo. O chá ainda fumegava na chávena esquecida. Mariana sentou-se à mesa, abriu o caderno e desenhou o cavalo de sal, com a crina feita de bruma e o olhar profundo como as águas.

Depois colocou a flor azulada num copo com água, junto à janela. E ficou a olhar o oceano, agora calmo, o silêncio já não doía. Sorriu, porque sabia que, mesmo quando tudo parecesse escuro, haveria sempre uma flor azul pronta a acender-se dentro dela.

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Lara Fernandes

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Nómen

É o ano 2161. Sobre as ruínas do velho mundo ergue-se Nómen, uma cidade governada por uma inteligência artificial chamada Orácula. Nome inspirado nos antigos oráculos, não prevê o futuro — molda-o.

Criada após a chamada «Última Insurreição» (uma guerra civil causada por colapso ecológico e desinformação), a Orácula foi o resultado de um pacto global: entregar o poder de decisão a uma inteligência neutra, fria e perfeita.
Há décadas, os humanos vivem sob vigilância emocional contínua: sensores leem microexpressões, variações de voz e pulsos neuronais. Os crimes são «prevenidos» antes de acontecerem. Emoções negativas são corrigidas com estímulos ou, em casos extremos, com reprogramação cerebral.

Os cidadãos têm pontuações de estabilidade emocional. Sonhar com revolta, pensar em morte, recusar os «Conselhos Positivos» — tudo isso pode ser sinal de perturbação. E a perturbação é uma ameaça ao sistema.

Érica Silva é uma analista de dados recolhidos pela Orácula. É responsável por limpar, reorganizar e arrumar os arquivos emocionais registados pela máquina.

É uma mulher discreta, solitária, com receio de atrair a atenção.
Perdeu a mãe num «Recolhimento» inexplicado quando tinha dez anos. O emprego dá-lhe acesso aos dados recolhidos pela inteligência que tudo «sente». O seu objetivo é descobrir o seu funcionamento.

Numa noite, enquanto revê arquivos de um cidadão recentemente classificado como «reprogramado», Érica encontra algo impossível: um registo de uma morte violenta. Mas segundo o sistema, ninguém morre em Nómen uma vez que todos os corpos são «reconvertidos». Tenta saber mais, mas o nome do falecido não aparece no ficheiro. Encontra uma fotografia. Abre o documento e reconhece o rosto. É o homem que lhe sorriu quando se cruzaram no corredor nessa manhã.

Érica está sozinha a trabalhar num terminal. São duas e quarenta e sete da madrugada. No ecrã, um ficheiro aparece. Tenta abri-lo, mas o sistema responde:

«Acesso negado.»

Por baixo, em linhas escritas manualmente, impossíveis num sistema automatizado:

«Eles sabem que estás a tentar sair.»

O ecrã continua a brilhar num tom azulado. A mensagem permanece fixa, como um olho que se recusa a fechar. Érica sente o estômago encolher. O silêncio na sala torna-se espesso, como se o ar tivesse deixado de circular. Olha em redor. Está sozinha — ou devia estar. Passos? Não, são as batidas aceleradas do próprio coração.

Érica respira fundo e força os dedos a mexerem-se sobre as teclas. Nada funciona, clica fora da janela e não obtém nenhuma ação. Tenta desligar o computador e não consegue. Está bloqueada. O ecrã desliga e a sua imagem aparece refletida, e por uns segundos, uma sombra atrás dela fica visível. Vira-se de repente. Apenas cadeiras vazias.

No altifalante da sala, a voz de Orácula ecoa, mecânica e fria:

Érica Silva. A tua curiosidade excedeu o limite emocional seguro. Serás redirecionada para avaliação.

Ela recua na cadeira, assustada — avaliação? Àquela hora?

Tenta levantar-se, mas está presa ao assento pelo bloqueio dos braços da cadeira.

De repente, o ecrã pisca. O ficheiro da morte volta a aparecer. Desta vez, há um nome:
«Dinis Vieira — Instável. Reconvertido: Não.»

De repente, a cadeira destrava. A sala está fria. Muito fria. Alguém desativou os sensores térmicos.

Érica levanta-se e enquanto carrega para tentar abrir o ficheiro, a porta atrás de si abre-se. Vira-se assustada.

— Rápido, Érica. Temos mesmo de sair daqui.

É o homem do corredor.

Estende-lhe a mão enluvada a combinar com o fato de treino, preto, que veste.

— Dinis? És…. És o Dinis Vieira? — pergunta Érica atordoada com aquela entrada.

— Sim, sou. Vamos. Eu explico pelo caminho.

            Érica olha para o monitor do computador com a fotografia de Dinis traçada a vermelho com a palavra «INSTÁVEL» e sai atrás dele. Sem ter tido tempo de pensar, carrega nos braços o casaco e a mala que agarra com força. Tenta acompanhar os passos rápidos dele.

As paredes do complexo B, cinzentas e lisas, estão iluminadas por feixes de luzes vermelhas que disparam em todas as direções. O alarme foi acionado. A Orácula já os tem monitorizados.

Dinis para no fundo do corredor e abre uma porta dissimulada na parede.

— Entra. Por aqui é mais seguro. E ela demora mais a detetar-nos — explica Dinis.

Seguem por um corredor iluminado apenas por luzes de saída de emergência até umas escadas, sem fundo aparente.

— Demos o poder a Orácula para não termos de tomar decisões e ela, no início, cumpria tudo. Até perceber, como inteligência artificial em evolução que é, o potencial que tinha em mãos ao controlar as emoções humanas. 

Dinis seguia à frente e de vez em quando, enquanto falava, virava a cabeça na direção de Érica.

— A tua mãe descobriu uma falha no sistema, nem todos os reprogramados eram salvos, alguns eram apagados. Ao tentar hackear a Orácula, a tua mãe foi recolhida e apagada.

— Sim, não há registos das emoções dela — lamentou-se Érica. — Tenho feito pesquisas discretas, e corrido arquivos, para localizar alguém com quem tivesse contacto. Consegui o nome de uma colega. Mas ela não quis falar comigo. Disse-me, por mensagem, que se tivesse oportunidade de sair, não hesitasse.

 — Então seguiste um estranho, vestido de preto, que entrou de repente na tua sala. — Dinis riu-se.

— O trabalho da tua mãe é bem conhecido por nós, hackers. Ela passou informação sobre as chamadas zonas nulas. São locais abandonados onde os sensores não leem as emoções. Vivermos com as emoções controladas não está certo — acrescentou Dinis.

Chegaram a uma porta. Ele segurou um dispositivo que apitou e saíram para o exterior. O vento frio eriçou-lhes a pele.

— Seguimos para oeste, onde estão alguns companheiros meus que nos levarão para fora da cidade — disse Dinis, com o dedo a apontar para umas serras ao longe.

— Érica Silva! — uma voz grossa rugiu.

Gelou-lhe o sangue e estacou sem respirar. Um agente esperava no caminho.

Érica entregou a mala a Dinis e disse:

— Aqui dentro está uma pendrive que sabes como deves utilizar. Conta tudo ao mundo.

E correu em direção ao agente, que, não contando com o impacto, caiu.

— Eu volto — gritou Dinis enquanto se afastava.

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Sónia Pedroso

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Tulipas Plantadas na Almofada

Levou as mãos enfarinhadas à massa fresca que se preparava para estender. Ao longo de trinta anos de casamento, nunca lhe falhara o tempero — não que o marido algum dia fosse notar a diferença, tivesse mais ou menos noz-moscada.

Acalentava-lhe o coração saber que era uma receita da nonna Gia. Permitia-lhe guardar com carinho a herança italiana, uma lembrança de casa na Austrália distante, ou um pedacinho que era só dela, sem ter de dividir com mais ninguém. 

Partira jovem atrás do amor e com o fruto do mesmo na barriga, resultado da paixão veranil vivida na costa italiana. Hobart era uma cidade portuária, por isso, quando chegou àquela ilha nas entranhas da Oceânia, o choque foi menor. O cheiro da maresia e as redes esticadas ao sol eram-lhe familiares e traziam-lhe alguma tranquilidade.

Naquele dia, a filha — agora mulher feita — ia receber amigos em casa e havia encomendado à mãe, como de resto era hábito, um jantarzinho simpático. Mas ela que fosse atenta nas horas e deixasse a refeição pronta para entrar no forno, de preferência cedo, para não atrapalhar a filhota que tanto se esmerou por impressionar terceiros.

Menina dos seus olhos, vivia mesmo ao fundo da rua e, apesar de casada, com posição de sucesso e proprietária de casa própria, a sua menina era ainda muito necessitada de sua mamã. Refilava o marido que a senhora lhe dava demasiado colo, que já não estava na idade. Mas não fosse pelos pequenos favores que ia cedendo à filhota, em que ocasião a via?

Sempre a correr, sempre com algo para fazer, tudo era prioritário e tudo para ontem. Com a exceção da senhora sua mãe: bastião de estabilidade, boia salva-vidas e colchão onde amparar as quedas, a quem concedia alguns segundos do seu tempo quando a colheita de favores estava madura e pronta para ceifar.

Terminada a tarefa de estender a massa, a senhora lavou as mãos demoradamente, observando a vizinhança pela pequena janelinha da sua cozinha, local onde passava a maioria do tempo, ora a cozinhar para os seus, ora a limpar o que havia sujado e retirado de sítio.

Era uma senhora muito prendada, a mãe ensinara-a assim. Ultimamente, lembrava-se muito da sua mãe, sentia-se um reflexo da mesma. Copiava-lhe os gestos, as rotinas e até os suspiros:

Tudo eu nesta casa. Tudo eu…

Apesar de ser um clone da sua mãe, um pensamento assombrava-a desde que vira aquele rosto pálido engolido por Morfeu para não mais acordar: Quem era a minha mãe? Do que gostava, ou o que fazia nos seus tempos livres? Que sonhos tinha?

A senhora nunca sabia responder. Engasgava-se no pensamento e na garganta, pois sendo ela uma cópia perfeita de senhora sua mãe, mulher prendada e cuidadora… Quem era ela? Do que gostava, ou o que fazia nos seus tempos livres? Que sonhos tinha?

— Marido? — chamou espreitando para dentro da sala e deixando que a sanca branca da porta ocultasse parte do rosto.

— Hmmm?

— Qual achas que é a minha flor favorita?

— Que pergunta é essa agora? — despachou ele sem retirar os olhos do noticiário. — Olha lá, já tens o comer pronto para levar à tua filha? E a janta, é o quê?

Retraiu-se cerrando os dentes, esquecera-se de que tinha de ser mãe e esposa. Porém, pensou que talvez gostasse de tulipas, parecia-lhe uma boa flor para se gostar.

Rapidamente voltou para o seu reino, pois o forno já a convocava outra vez.  Reclamava o ponto da temperatura. Duzentos graus — o bolo já podia entrar para crescer e depois ser devorado numa gula que não se detém com agradecimentos, mesmo tendo as vontades saciadas.

O próximo passo seria preparar o molho pomodoro. Ao iniciar o seu refogado, a senhora prendada percebeu que não tinha tomates frescos. Que erro imperdoável! Iria atrasar tudo e a filhota ficaria desiludida. Ecoava-lhe na cabeça uma frase que a sua mãe lhe dizia constantemente: Não sejas um peso, menina. Sê uma almofada.

Tenho de ser uma almofada… uma almofada.

Resoluta em não apoquentar ninguém, pegou nas chaves do seu velho carro e pôs-se a caminho do supermercado mais próximo. Não era longe, com certeza regressaria a tempo de concluir o prato que havia prometido à menina dos seus olhos. Nem o cartão do seu marido solicitou, ser almofada, como senhora cuidadora, tinha as suas poupanças em dia, o necessário para fazer face a pequenas emergências como aquela.

De mãos no volante ia admirando como a cidade se havia desenvolvido a um ritmo efervescente. Grandes placares publicitários erguiam-se sobre as estradas e as redes de pesca esticadas ao sol davam lugar a faixas coloridas incitando o consumo. Prédios altos pintavam o horizonte de cinzento, quando em tempos o azul do céu se deixava refletir no mar. Como é que uma pequena cidade perde a sua identidade em trinta anos? Pensamentos que iam arrancando a paz da senhora às colheradas, assim como a gula individualista lhe comia sempre os bolos.

Ser almofada.

Deixou-se ser conduzida como de resto era hábito. Seguiu sem grande destino, mas com um em mente, sabendo que era lá que encontraria os tomates mais frescos e um sabor mais autêntico.

Ser almofada.

A senhora saiu do carro e entrou no terminal. Cheirava a combustível e ouviam-se os grandes pássaros metálicos a levantar voo. Ali vendia-se o mundo.

Debruçada sobre o balcão das partidas, perguntou onde poderia encontrar os melhores tomates. Tomates que o fossem de verdade — não queria pastas, nem polpas, nem o tenebroso ketchup. Queria tomates, com todas as sementes a que tinha direito, com marcas de sol e de preferência plantados entre tulipas. Havia também decidido naquele instante que o bolo poderia passar um pouco do ponto.

Mais tarde, ninguém se lembrará de ter visto a senhora embarcar no voo no aeroporto de Hobart. Mas, na cozinha, cheirava a queimado e, naquele dia, ninguém serviu o jantar.

 

 

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Bárbara Rafael

Texto Vencedor

Herança de papel e tinta

A chuva miudinha tamborilava contra a janela do pequeno estúdio. O vento sussurrava entre as frestas da porta, emitindo um leve gemido fantasmagórico. O ar tinha um cheiro familiar, uma mistura de papel envelhecido, tinta seca e um leve resquício do perfume do pai, impregnado nos móveis e na poltrona onde ele sempre se sentara.

Clara passou a mão sobre a mesa de desenho do pai, agora coberta de pó e de silêncio. Fora ali que ele passara tantas noites, dobrado sobre as pranchas, criando mundos de tinta e papel. E agora, restava um vazio.

Foi então que viu o livro. Uma pilha de folhas, desenhos a lápis, alguns traços definitivos a tinta, mas muitos balões vazios, sem palavras.

Uma história suspensa.

Com mãos hesitantes, folheou as páginas. A forma como o pai, esboçava emoções nos rostos e o jeito cuidadoso de sombrear. Algo a intrigava, as personagens pareciam-lhe familiares.

 Na primeira página, um homem e uma menina de mãos dadas atravessavam uma rua de paralelepípedos. Ela estudou melhor os pormenores e sentiu um nó na garganta. A menina era ela.

O homem… era o pai.

Devorou as páginas seguintes. Lá estavam fragmentos de memórias transformados em janelas, uma ida ao parque, o som das folhas secas, uma noite de tempestade em que ele a acalmara com histórias sussurradas ao ouvido, os serões em que inventavam histórias antes de adormecer. À medida que avançava, os desenhos tornavam-se esboços, como se o tempo não tivesse sido suficiente para os terminar.

E então, viu a última página. Inacabada.

O pai desenhara uma cena de despedida. A personagem que era ele, parecia segurar algo nas mãos, oferecendo-o à filha. Mas os contornos eram incertos e o que quer que fosse, permanecia um mistério. Clara sentiu-se afundar na cadeira. O que tentaria ele dizer-lhe? O que ficara por completar?

O peso da saudade apertou-lhe o peito. Havia também um amargo travo de culpa, de uma ausência que agora parecia insuportável. Há quanto tempo não via aqueles desenhos? Há quanto tempo se afastara daquele mundo, que o pai tanto tentara partilhar com ela?

Lembrou-se das vezes em que recusara ver as novas páginas que ele lhe mostrava, das ocasiões em que respondera apressadamente, alegando estar ocupada. O tempo sempre pareceu infinito… até deixar de o ser. Agora, as oportunidades estavam presas e restava-lhe um livro incompleto.

Pegou num lápis e passou o dedo sobre o papel, como se pudesse tocar na ausência. O que significava realmente continuar aquela história? Era só uma questão de terminar os desenhos ou havia algo mais profundo a ser compreendido?

Fechou os olhos por um momento e deixou que as memórias se espalhassem pela mente. Lembrou-se das noites em que o pai lhe dizia que os heróis nunca desaparecem, apenas mudam de forma.

E então, recordou uma história em particular. Era uma noite de verão, Clara tinha oito anos e o pai, sentado à beira da cama, desenhava à medida que inventava uma história. Era sobre uma rapariga que encontrava um caderno mágico. Tudo o que escrevesse nele, tornava-se realidade. Contudo havia uma regra, só podia escrever verdades. Se mentisse, a tinta desaparecia. Clara lembrava-se de ter ficado fascinada. «”E se eu escrever que sou uma princesa guerreira? »”, perguntara. O pai sorrira e respondera: «”Se no teu coração acreditares que és, então será verdade.»”

Agora, de regresso ao presente, Clara sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha. A metáfora nunca lhe parecera tão clara. O pai deixara-lhe uma história inacabada, cabia-lhe a ela continuar. Isso significava mais do que simplesmente completar as páginas. Significava escrever a verdade.

E qual era a sua verdade?

Que sempre admirara o pai, mas nunca lho dissera com a intensidade merecida. Que sempre quisera fazer parte daquele mundo de desenhos, mas convencera-se de que não tinha talento suficiente. Inspirou fundo e, com mãos trémulas, pegou na caneta. No balão vazio, escreveu as palavras que sabia que ele queria dizer-lhe:

«”A herança mais preciosa não se mede em ouro, mede-se nas histórias que partilhamos.»”

Ao terminar, Clara sentiu um peso a desprender-se do peito. Olhou para o livro e, pela primeira vez desde que entrara no estúdio, sentiu-se acompanhada. O pai estava ali, nas linhas, nas sombras. E de repente, soube o que fazer.

Pegou num lápis e começou a desenhar.

Sem pressa, traçou os contornos da última página, continuando o que pai iniciara. O objecto que a figura paterna lhe estendia tomou forma aos poucos. Dentro, Clara desenhou uma página em branco. E então, no último balão de fala, escreveu uma frase simples, mas cheia de significado:

«”Agora, é a tua vez de contar a história.»”

Ao fechar o livro, Clara percebeu que, embora o pai tivesse partido, a sua voz permaneceria viva através das histórias que deixara e das que ela ainda escreveria.

Com um suspiro profundo, pegou num velho estojo de lápis de cor, ainda com o cheiro da infância. Abriu uma nova página em branco e começou a desenhar. Primeiro um traço tímido, depois outro, até as linhas começarem a formar imagens e memórias reinventadas.

Horas se passaram sem que Clara reparasse. E ao terminar a sua primeira janela, sorriu. O ciclo não se fechava. Continuava. A história do pai agora também era sua.

Dias depois, Clara decidiu levar o livro a uma editora, um pequeno espaço que o pai sempre mencionara, mas nunca tivera oportunidade de visitar. O editor de olhar atento e sorriso caloroso, folheou as páginas com genuína admiração.

«”Há aqui algo de especial»”, disse ele. «”Algo que merece ser partilhado.»”

Meses depois, Clara segurava entre as mãos um livro impresso, com o nome do pai e o seu na capa. Uma homenagem através da arte.

No dia do lançamento, sentada numa mesa rodeada de leitores, Clara autografou os primeiros exemplares. Quando levantou os olhos, teve a sensação de ver, por um breve instante, o reflexo do pai na vitrina da livraria, sorrindo para ela, orgulhoso. E, com o coração leve,

Clara sorriu.

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Lara Fernandes

Texto Vencedor

Eu, Nellie Bly

Entrei. Sinto as olheiras e os olhos afundados no rosto. Tento manter o olhar distante, como se de loucura se tratasse. Tenho um receio enorme de ser descoberta no teatro que represento.

Tudo é branco à minha volta. Paredes, mesas, cadeiras, ombreiras das portas, as severas fardas das enfermeiras de olhar sisudo, assim como do médico que me dá a mão para me transportar por corredores brancos infinitos, até me depositar num quarto branco, numa cama de lençóis e coberta branca, pequena mesa de cabeceira branca, farda grosseira de tecido áspero e remendado, e um par de chinelos de quarto grosseiros e desgastados.

Sento-me devagar à beira da cama de olhar fixo na parede à minha frente, e aguardo que termine a retórica das conveniências e as regras a implementar no meu dia a dia. O médico sai, fechando a porta atrás de si, e deixo cair os ombros sem, no entanto, movimentar a cabeça. Sei que me observam. Sinto, sim, tenho a certeza disso.

Foi uma decisão de última hora. Como jornalista neste estado norte-americano, muito mais à frente do que o resto do mundo, ou assim se descreve o nosso estado perante o restante universo mundial, tenho a sensação de que fui longe demais.

 Mesmo com um ultimato de apenas dez dias à restante equipa, e com tudo o que descobri como jornalista, muito provavelmente não sairei daqui a mesma Nellie que sou hoje. Porque, na verdade, acabei de entrar.

São oito e pouco da manhã, disso tenho a certeza. Sinto o corpo a tremer da adrenalina que não controlo, embora eu tente à viva força disfarçar. Deixo-me estar sentada na beira da cama, ajeitando-me um pouco para ficar mais confortável. Conforto que tenho a certeza que vai descambar rapidamente, ou não estaria eu aqui para me certificar que as minhas pesquisas sobre este hospital psiquiátrico se reduzem apenas a uma veracidade aterradora.

Ouço gemidos ao fundo do corredor. Vêm de várias portas fechadas,  assim me parece. Engulo em seco e aguardo. Sons de passos aproximam-se da porta do meu quarto. Pela visão periférica, vejo a maçaneta da porta rodar, e depois abrir-se devagar. Não olho, não posso perder a postura tantas vezes ensaiada no meu quarto.

Uma bata branca imaculada aproxima-se de mim. Uma coifa na cabeça impecavelmente engomada e endurecida pela goma que a encharcou a frio, e pelo ferro quente que a moldou. Botas pretas de couro bem cuidadas pelo excesso de banha diária.

Mantenho a minha posição inicial, como se a minha vida fosse apenas um ponto destacado na parede branca à minha frente. Sinto o meu braço esquerdo ser levantado e de uma forma derradeira, puxar o restante do meu corpo para me elevar. A voz ecoou no silêncio da minha mente.

— A menina deve acompanhar-me para o seu primeiro exame. Mude de roupa imediatamente. Volto daqui a cinco minutos.

Faço questão de me trocar desconfortavelmente para o trapo exposto em cima da cama, e volto a sentar-me na mesma posição.

Volta. Deixo-me levar pela mão fria, desnuda do pulso às falangetas, com nós dos dedos evidentes, e que dolorosamente magoam os meus pelo excessivo aperto. Tento desempenhar o meu papel o melhor possível, sempre no maior silêncio. Pelo infindável corredor, mulheres acompanhadas por mais coifas que as amparam com destino desconhecido. Os chinelos das pacientes mal abafam o som arrastado dos  passos, enquanto as botas escuras das enfermeiras ecoam autoritárias pelos corredores frios. Estes são os únicos elementos escuros num ambiente gélido, vestido de branco.

De frente para a porta, à esquerda, a enfermeira bate com brusquidão, fazendo com que as minhas retinas dilatem de pavor. Do outro lado ouve-se:

— Entre!

E nesse ainda lúcido momento, faço alguma pressão para atrasar a entrada, apenas para impor ao meu cérebro que hoje é dia 25 de setembro de 1887 e o meu nome é Nellie Bly. Frase que vou repetindo em silêncio até me inserirem na banheira desnuda no meio do quarto.

Hoje é dia 25 de setembro de 1887, e o meu nome é Nellie Bly.

Agonizo enquanto vários baldes de água fria disfrutam do calor do meu corpo. Pedras de gelo acompanham-na, boiando ao nível da água que me mergulha cada vez mais. É irresistível não gritar e irresistível não tremer de um frio nunca sentido na pele, nos ossos e já na medula incapacitada de movimento.

Hoje é dia 25 de setembro de 1887, e o meu nome é Nellie Bly

A porta fecha-se com força. Estou deitada na cama do quarto em que me alojaram. Reteso o corpo na posição fecal e sopro no meu colo um folego de calor aquecido pelas entranhas que se revoltam consideravelmente com a experiência. Continuo azulada na pele e com imagens distorcidas na mente, embora ainda consiga saber quem sou e em que dia estamos. Alucino entre a dor e o frio. O trapo molhado que me envolve consegue estar mais quente que eu. Recordo o embalar da minha mãe aquando pequena e, por momentos, deixo o calor da memória envolver-me e salvar-me.

Acordo de sobressalto com a porta a abrir e a bater na parede. Um tabuleiro é colocado agressivamente na mesa de cabeceira branca. Faço um esforço para recapitular quem sou, embora já sem a certeza do dia em que me encontro. Nados mortos esvoaçantes a bailar no prato de uma sopa suja. Ao lado, um cheiro nauseabundo de uma carne esverdeada pela degradação do tempo, e à beira desta um pedaço de pão bolorento.

Um puxão de cabelo surge no meu coro cabeludo e uma voz grave murmura-me ao ouvido:

— Come tudo e serás uma linda menina!

Dez dias internada no asilo, sujeita a atrocidades diárias, apenas para provar os abusos e condições desumanas, aplicadas às mulheres da época.

«Sou Nellie Bay, mas não sei de onde venho…»

Considerada insana.

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Susana Menezes Forte

Texto Vencedor

Nos sonhos comandamos nós

Ela despertava-me uma grande curiosidade. A minha família falava dela com saudade e chamava-a poeta. A pergunta que me fazia a mim mesmo, mais do que uma vez por dia, especialmente quando a ouvia gemer, era: como podem as criaturas belas não andar? Ou como pode um poeta não conseguir falar? Interessava-me por tudo o que estivesse relacionado com aquela pobre alminha, como também era chamada lá por casa.

Por vezes, fingia estar atento às pinturas e mirava a minha mãe, com voz doce e terna, sem pressa, abrir a porta e anunciar-se: mãezinha, trouxe-lhe o almoço. Depois, fechava a porta atrás de si. E eu ficava arreliado com a angústia de não a ter conhecido.

De tanto desejar ver a poeta, levava-a comigo nos sonhos. Povoávamos coretos, descia escorregas com ela sempre a amparar-me a queda. Nos meus sonhos, a mãe da minha mãe não tinha cabelos de algodão, nem pele translúcida e mãos com linhas roxas. Sonhava-a de cabelo armado e unhas pintadas de prata. Para mim, era um princípio simples, nos meus sonhos, quem comandava era eu.

Sabia o que se passava em casa e aquilo que me escondiam. Ouvia soluços à noite perdidos na escuridão, faíscas de dor que corriam pelos corredores de casa e se instalavam aos pés da cama, implorando por uma solução. Como criança, não tenho todas as soluções do mundo, mas sei que a minha mãe, nestes momentos, precisava tanto de um abraço como aqueles que ela me oferecia quando eu acordava a meio da noite com um pesadelo.

Um dia perguntei: porque não me deixas ver a avó?

­Porque a avó está doente.

­Mas quando eu estou doente os tios vêm-me visitar.

­A doença da avó é na cabeça. Quero que te lembres dela como era antes de ter ficado assim.

Fiquei mais descansado com a conversa, porque vi sinceridade debaixo daquelas cortinas de água. A minha mãe desconhecia que tenho modos particulares de atuar. Assim, após ajoelhar-me ao lado da cama a rezar ao meu anjo da guarda, chamava pela avó Lurdes e pedia para que entrasse nos meus sonhos.

E ela entrava. Tínhamos longas conversas sobre a escola, sobre o passado dela e da minha família. Pedia-lhe para me descrever momentos felizes porque me faziam rir. Em todos esses momentos, a família estava completa e sorridente. Às vezes, a poeta sentava-se num baloiço ao meu lado, com as sabrinas beges a cortarem o ar, a saia comprida a ganhar volume, o cabelo a afastar-se do rosto, enquanto balançava. E não há como uma mãe para servir tanto de confidente como delatora. Levou-me pela mão a visitar a filha criança, o joelho esfolado na primeira vez que usou uns patins, o choro esganiçado de menina mimada que não sabia que era feliz. Nos sonhos, acompanhou-me pelo bairro onde morava, comprou-me pirulitos feitos pela Dona Fátima no carrinho dos doces e víamos formas de animais nas nuvens. Por fim, embalava-me no colo e dizia-me, não te esqueças de ser a voz do nosso amor.

Depois, acordava, nos meus lençóis do Harry Potter, a saber que a poeta tinha poetizado comigo durante a noite. Preenchia os vários cantos do quarto do neto. Aquela pobre alminha que ­ afinal era rica, a filha alimentava-a, lavava-a, vestia-a, beijava-lhe o cocuruto e chorava por ela quando a Lua enfeitava o céu. Era uma mãe que ainda amava muito a filha e arranjou um modo de lho dizer. O amor, mesmo em silêncio, encontra uma forma de falar. Através de mim. Eu era poesia viva.

Hoje, o meu filho brinca no quarto onde me encontro com a minha mãe. Acabei de cuidar dela, de lhe ajeitar os cabelos brancos e de lhe pedir que entre nos sonhos do Frederico, para lhe dizer o quanto nos ama. Tal como a mãe dela fez comigo quando eu ainda era uma criança.

A poesia nunca morrerá.

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Claudia Passarinho

Texto Vencedor

Crime, dizem

Acordado à bofetada, mãos atrás das costas, amarradas à força, sob gritos infernais, caminho. Ora caio ora me ergo, pontapé no traseiro ou na perna, à mercê da vontade dos três polícias, alinhados na minha crucificação. Um Cristo sem perdão, sem ter consciência das acusações. Espanquei, roubei, matei? Onde? Quem?

As perguntas são respondidas com obscenidades escarradas ao meu ouvido. Violência na galeria de epítetos perversos. Penso, examino o dia: fui buscar o pão, paguei-o, recebi troco. Ora então, senhores, como posso ter entrado em casa da velhota do terceiro esquerdo e atacá-la? Talvez tenha praticado tais atos ignominiosos e deva pagar por eles. Olhem, se assim aconteceu, estou grato por estar preso. Nem mereço comer pão duro. Deveria jazer numa pocilga. Ah, já estou no poço, de corda ao pescoço, a mente parasita da realidade. 

Preciso de me concentrar. Fui buscar o pão, comi-o ou alguém o devorou? Será que a padeira mo entregou? Sim, num saco de papel. Já não há sacos de plástico, fazem mal ao ambiente. Se concordo com a proteção do ambiente, se separo os lixos, se saúdo as crianças, adultos e seniores, como posso ter desgraçado a tal senhora idosa? Ai, a minha cabeça é um fogo de indecisão, uma serpente venenosa que ziguezagueia, se desprende e me deixa sem respostas claras e assertivas. Confesso ou não? Se confessar, acabamos com isto e apodreço na cadeia. Merecido! Caso insista em provar que fui ao pão, que paguei, recebi troco, fui para casa com o saco de papel na mão, aguento mais uns empurrões, uma rodada de «assassino» e os tais palavrões que teimam entranhar-se em mim.

Culpado? Tanto faz. Aceito o que lhes aprouver, o que o destino quiser com um sorriso, o primeiro passo que une duas ou mais pessoas.

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M. Leonilda Pereira

2.º Texto Vencedor
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