«Se duas pessoas que um dia se quiseram tanto se sentam na margem de um rio sem concordar na direção da maré, como é possível algum dia chegar a contar a história de um povo, de uma guerra, de uma revolução? Se não concordamos com o início, como iremos concordar com o fim?»
Quando descubro escritoras capazes de surpreender o leitor com parágrafos assim, pergunto-me quantos outros talentos literários nacionais estarão à espera de ser encontrados. É fundamental estarmos atentos e diversificar as nossas leituras. Nem sempre os títulos mais badalados são os que nos proporcionam as experiências mais completas.
A História de Roma é um desses livros completos. Uma obra que não apenas se lê, mas se sente. Um livro que nos convida a descobrir, aprender, refletir e, por vezes, esboçar um sorriso doloroso. É uma história sobre pessoas, sobre os lugares que nos habitam, sobre memórias afetivas. Sobre desamor. Sobre a ascensão e a queda das relações, ficcionais e reais. Relações em permanente desequilíbrio, nas quais o equilíbrio, afinal, é apenas um desequilíbrio constante.
«— O problema é que há aqui um desequilíbrio.
— Um desequilíbrio?
— O problema é que eu fui muito mais importante para ti do que tu para mim»
Com frases assim, o leitor sente o impacto e percebe a tensão emocional que atravessa toda a narrativa. Esta é uma história sobre o que foi e o que poderia ter sido. Sobre a vida que não aconteceu. Roma é o nome de uma criança que nunca nasceu. Um nome que carrega uma ausência, uma falha — não só material, mas emocional.
A protagonista é uma figura derivativa, marcada por uma constante preocupação psicológica que a torna profundamente humana. Joana Bértholo escreve com uma atenção meticulosa à palavra, ao pormenor, à construção frase a frase, parágrafo a parágrafo. Uma escrita feita com tempo, que testemunha uma postura ética perante a Língua. Como a própria autora defende: «O escritor é guardião da Língua».
Não espere, contudo, um livro críptico ou que faça o leitor sentir-se ignorante. A História de Roma é, acima de tudo, um teatro de situações, num registo diarístico, no qual a escrita flui como uma conversa íntima dirigida a um tu. O leitor torna-se testemunha e cúmplice desta troca de memórias e recriações de um passado em que as trajetórias raramente coincidem.
Cidades como Lisboa, Buenos Aires, Berlim, Marselha e Beirute tornam-se palco e metáfora. São geografias íntimas que respiram história e emoções. Lugares que já não poderão ser visitados, tal como a filha que nunca existiu.
O mote da obra é simples, mas poderoso: «Duas pessoas que foram outrora um casal encontram-se passados dez anos de se separarem. Ela, lisboeta, condu-lo a ele, o estrangeiro, por diferentes percursos na sua cidade, enquanto desnovelam memórias. Na tentativa de estabelecer um passado comum, raros são os trajetos que coincidem. Resta-lhes os nomes de certas ruas, de certas cidades — Buenos Aires, Berlim, Marselha, Beirute — que se tornam topografias íntimas, que não poderão mais ser visitadas, como o nome da filha que nunca tiveram».
Mas este não é um livro de respostas. É um livro de perguntas. Joana Bértholo não nos dá soluções fáceis, mas expõe feridas e deixa-as abertas. A leitura é um processo de análise e autodescoberta que acompanha a evolução das personagens.
A História de Roma é um convite a refletir sobre as nossas memórias e os nossos desequilíbrios. É um livro que não diz tudo, mas que nos deixa a pensar em muito.
E termino com uma frase da autora com a qual me identifico: «Nós escrevemos com tudo o que somos e com tudo o que vivemos».
Se procura uma leitura que lhe fale ao coração e à mente, este livro de Joana Bértholo merece um lugar na sua lista.
O original desta resenha literária está disponível no jornal Sul Informação.