Acordado à bofetada, mãos atrás das costas, amarradas à força, sob gritos infernais, caminho. Ora caio ora me ergo, pontapé no traseiro ou na perna, à mercê da vontade dos três polícias, alinhados na minha crucificação. Um Cristo sem perdão, sem ter consciência das acusações. Espanquei, roubei, matei? Onde? Quem?
As perguntas são respondidas com obscenidades escarradas ao meu ouvido. Violência na galeria de epítetos perversos. Penso, examino o dia: fui buscar o pão, paguei-o, recebi troco. Ora então, senhores, como posso ter entrado em casa da velhota do terceiro esquerdo e atacá-la? Talvez tenha praticado tais atos ignominiosos e deva pagar por eles. Olhem, se assim aconteceu, estou grato por estar preso. Nem mereço comer pão duro. Deveria jazer numa pocilga. Ah, já estou no poço, de corda ao pescoço, a mente parasita da realidade.
Preciso de me concentrar. Fui buscar o pão, comi-o ou alguém o devorou? Será que a padeira mo entregou? Sim, num saco de papel. Já não há sacos de plástico, fazem mal ao ambiente. Se concordo com a proteção do ambiente, se separo os lixos, se saúdo as crianças, adultos e seniores, como posso ter desgraçado a tal senhora idosa? Ai, a minha cabeça é um fogo de indecisão, uma serpente venenosa que ziguezagueia, se desprende e me deixa sem respostas claras e assertivas. Confesso ou não? Se confessar, acabamos com isto e apodreço na cadeia. Merecido! Caso insista em provar que fui ao pão, que paguei, recebi troco, fui para casa com o saco de papel na mão, aguento mais uns empurrões, uma rodada de «assassino» e os tais palavrões que teimam entranhar-se em mim.
Culpado? Tanto faz. Aceito o que lhes aprouver, o que o destino quiser com um sorriso, o primeiro passo que une duas ou mais pessoas.
M. Leonilda Pereira
- setembro 2024