Até onde estamos dispostos a ir em prol daquilo em que acreditamos?

«Num futuro não muito distante, um grupo de activistas pelo clima radicaliza-se e decide derrubar o sistema. Dotado de uma eficaz máquina de propaganda, que lhe garante o apoio popular, consegue chegar ao poder e impor uma sociedade totalmente verde. Mas a que preço?»

Esta é a sinopse do mais recente livro de Filipa Fonseca Silva, Admirável Mundo Verde, publicado em 2024 pela Suma de Letras, uma chancela de Penguin Random House Grupo Editorial, após o sucesso de E Se Eu Morrer Amanhã? e de O Elevador, nomeados para melhor livro do ano, este último já adaptado para filme.

O título cativou-me de imediato, não fosse Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, um dos livros que salvaria da fogueira do oblívio. A capa, desenhada por Duarte Lázaro, também contribuiu para uma boa primeira impressão. E todos sabemos que não existe uma segunda oportunidade para causar uma boa primeira impressão.

Depois, as temáticas abordadas — as alterações climáticas e a polarização da sociedade — obrigaram-me a um debruçar ainda mais atento. Além do ativismo literário, também a causa do Ambiente me preocupa e move. Considero-me uma cidadã atenta, perturbada com a onda de populismo que inunda a atualidade. Admiro a Literatura que ostenta no que o presente se poderá transformar. Talvez seja assustador. Mas despertará consciências? Se assim for, continuará a valer a pena escrever (e ler) livros como este.

Com uma escrita simples, direta, sem floreados, numa cadência quase cinematográfica que cativa (principalmente nas últimas páginas), Admirável Mundo Verde é um livro acessível a jovens adultos e a adultos. Ainda bem que assim é. Estes assuntos dizem respeito a todos.

Estamos perante uma obra original por duas razões: primeiro, porque é uma distopia lusa (não existem assim tantas distopias escritas em português); e depois, porque se enquadra no género eco-fiction, também não muito usual em Portugal.

Há uma mistura entre a ficção e a realidade que atemoriza e fascina. Não se admire se encontrar, entre páginas tantas, menções explícitas a Donald Trump ou a Greta Thunberg. Encontrará também várias referências literárias — Edgar Allan Poe, José Saramago, Derrick Jensen, para enumerar apenas alguns nomes.

Sem pretender contar-lhe toda a história, digo-lhe que existem três personagens que dividem o protagonismo da narrativa. Num futuro próximo, em que a realidade é insustentável do ponto de vista ambiental, numa geografia não identificável, Laura, Bill e Max vivem numa sociedade na qual as Brigadas Verdes (movimento revolucionário pela salvação do povo e da natureza) assumiram o poder.

As três personagens têm voz própria e o enredo é construído em cima das suas visões do regime ditatorial vigente. Não é claro o papel do bem e do mal; a narrativa dá-nos essa complexidade. A questão do que é Ser Humano, das opções que a vida nos coloca e até onde estamos dispostos a ir em prol daquilo em que acreditamos permeiam as páginas deste livro.

A história passa-se numa realidade em que existe a censura e a vigilância permanente dos cidadãos. Há controlo dos nascimentos, do consumo de água e da eletricidade (tempo de duche controlado, duas horas diárias de acesso à eletricidade); os livros técnicos estão proibidos, as fronteiras fechadas e a eutanásia é obrigatória a partir dos noventa anos. A eugenia é uma prática frequente. Há um muro físico e um muro nos afetos, imperando o cinismo e a desconfiança. O que se vive entre muros é abafado. Ao resto do mundo chegam apenas os resultados auspiciosos: a desejada regeneração ambiental é possível.

«Por que razão umas centenas de homens tinham o poder de decidir sobre toda a vida na Terra? Por que razão continuavam a fingir que havia tempo, que não se podia fazer a transição energética nem acabar com a dependência do petróleo de um dia para o outro? Podia, mostrámos que podia. Não eram metas irrealistas, como o status quo continuava a propagandear. Eram exequíveis e urgentes! Mas também mostrámos que facilmente se resvala do idealismo para um governo autoritário».

Lê-se e somos convocados a refletir: as boas intenções nem sempre resultam como esperado? Mas há laivos de esperança neste Admirável Mundo Verde. Há sempre alguém que preserva a dignidade. Porém, o final é agridoce. Mais uma leitura que me surpreendeu; mais uma escritora portuguesa que recomendo.

O original desta resenha literária está disponível no jornal Sul Informação.

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Analita Alves dos Santos

Inspiro escritores a sentir mais confiança na sua escrita, a evitar a procrastinação e a partilhar as suas histórias com o mundo.

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