O meu avô era um homem que dizia «cautela» sempre que queria proteger alguém. «Cautela que cais», «cautela que está quente», «cautela que te cortas». Juntou tantos anos quantos aqueles que a cautela lhe permitiu. Verdade! Sem cautela não arrecadaria tanto tempo nos ossos. Sabia que o tempo apodrece, mas sem a dita cautela empobrece.
Era jardineiro e dotado para harmonizar o mundo com as tonalidades das flores que plantava. Margaridas, gerberas, estrelícias. Por vezes, finalizava com uns quantos girassóis.
Algumas pessoas são excelentes escritores, carpinteiros, até mesmo calceteiros. O meu avô era o poeta das flores, sabia identificar o lugar perfeito para qualquer uma; como um poeta o faz com as palavras.
Um dia, salvou um caracol do meio da estrada de terra batida. Eu, que caminhava com as minhas sandálias de tiras e os pés encardidos da animação, por pouco não o pisei. O meu avô levou-o para lá dos caniços. Perguntei-lhe o porquê de tal gesto. Assustou-me com uma conversa qualquer de que a vida não é eterna e que quando fazemos contas resta-nos pouquinho tempo para as boas ações.
Os anos passaram.
A «cautela» foi substituída pelo «pouquinho». «Pouquinho sal na comida», «um pouquinho cansado», «um pouquinho mais devagar, o avô já não corre como tu!». Entristeci, porque a «cautela» mostrava a preocupação dele por mim e o «pouquinho» a minha preocupação por ele.
No verão de 1991, a jarra na cómoda não vertia tulipas. O meu avô deixou de zelar pelos jardins. Lá fora, o ar permanecia perfumado pelas flores, pela terra, mas sem o salgado da pele dele. Numa tarde, o meu avô levou a cautela e o pouquinho deitados com ele numa maca. Enquanto esfregava os olhos contra a humidade, ouvi a minha mãe dizer-lhe: «Ó pai, aguente mais um pouquinho». Foi quando soube que a cautela ia morrer.
O meu avô era um homem que dizia cautela sempre que queria proteger alguém. Cautela que cais, cautela que está quente, cautela que te cortas. Juntou tantos anos quantos aqueles que a cautela lhe permitiu. Verdade! Sem cautela não arrecadaria tanto tempo nos ossos. Sabia que o tempo apodrece, mas sem a dita cautela empobrece.
Era jardineiro e dotado para as tonalidades das flores que plantava. Margaridas, gerberas, estrelícias. Havia vezes que finalizava com uns quantos girassóis.
Há pessoas que são excelentes escritores, carpinteiros, até mesmo calceteiros. O meu avô era o poeta das flores, sabia identificar o lugar perfeito para qualquer uma; como um poeta faz com as palavras.
Um dia salvou um caracol do meio da estrada de terra batida. Eu, que caminhava com as minhas sandálias de tiras e os pés encardidos da animação, por pouco não o pisei. O meu avô levou-o para lá dos caniços. Perguntei-lhe o porquê de tal gesto. Assustou-me com uma conversa qualquer de que a vida não é eterna e quando fazemos contas resta-nos pouquinho tempo para termos boas ações.
Os anos passaram.
O cautela foi substituído pelo pouquinho. Pouquinho sal na comida, um pouquinho cansado, um pouquinho mais devagar, o avô já não corre como tu! Entristeci, porque o cautela mostrava a preocupação dele por mim e o pouquinho a minha preocupação por ele.
No verão de 1981, as jarras na cómoda vertiam tulipas. O meu avô, deixou de zelar pelos jardins. Lá fora, o ar perfumado das flores, da terra e do salgado da pele dele permanecia. Numa tarde, o meu avô levou o cautela e o pouquinho deitados com ele numa maca. Enquanto esfregava os olhos contra a humidade, ouvi a minha mãe dizer-lhe «Oh pai, aguente mais um pouquinho». Foi quando soube que o Cautela ia morrer.
Claudia Passarinho
- julho 2024