O telemóvel tocava. Dei um bafo no cigarro, apreensivo, prevendo o assunto: um novo homicídio. Três assassinatos nas últimas semanas. Um talhante esfaqueado, uma professora asfixiada, um médico afogado. Vítimas sem qualquer relação entre si, tal como as formas como apareceram mortas.
A população andava assustada. Culpa daquela pirralha, jornalista estagiária, que aparecia num ápice, vasculhava tudo e, em menos de nada, publicava detalhes da investigação.
Ainda assim, não se liam rumores sobre o único fator comum: tinham sido detetadas benzodiazepinas no sangue de todas as vítimas.
Assumindo que tivessem sido sedadas antes de mortas, tudo indicava que existia apenas um assassino a querer fazer-nos acreditar que cada crime tinha um culpado diferente. Mas nem sequer o meu colega Pires, agente tão meticuloso, parecia dar ênfase a esta pista. Agia e falava como se desconhecesse esta informação. Atendi a chamada. Não me enganei.
Quando cheguei ao local, o Pires já andava atarefado com fitas métricas, saquinhos e fotografias. Parecia que sabia sempre de tudo antes de mim.
— Uma pancada certeira na testa. Tal como os outros, não apresenta sinais de ter oferecido resistência — relatou-me.
— Tal como os outros, não devia estar consciente… A minha insinuação apenas teve como resposta um silêncio desconfortável.
A gravilha revoltou-se com a travagem de uma mota, da qual desceu a sirigaita da jornalista. Ao mesmo tempo que puxava um gravador do interior da mochila, deixou cair várias caixas brancas que se espalharam pelo chão e que ela, de forma desajeitada, se apressou em recolher. Bromazepam, lia-se no rótulo de todas elas.
— Dorme mal, a menina… — ironizei.
— Disfarça. Deixemo-la cirandar. Eu continuo a colher provas e tu tratas do mandado de busca à casa dela — retorquiu o Pires, antes de imitar a minha voz e o meu jeito sarcástico
— Hoje, a reportagem vai ficar a meio.
Laura Santos
- Maio 2023