Eram precisamente 2 horas e 30 minutos, numa madrugada quente de verão, quando Sofia se preparava para atravessar a rua que a levaria a casa. Na montra de uma relojoaria, um Rolex chamara a sua atenção. Fixou-o por momentos, antes de dar mais uns passos em direção à passadeira de peões. O silêncio da hora contrastava com a luminosidade quase cortante de algumas montras e com a sombra pouco convidativa projetada pelos candeeiros de rua.
O seu coração, oceano de um amor que sentia cada vez maior, sonhou: “O João iria adorar aquele relógio. Foi um sinal. O Rui não vai saber. Detesta-o, está sempre a dizer que sou louca, que o conheci há pouco tempo, que deixei o pai por causa dele e já não vejo outra coisa. Lá isso é verdade. Este meu João é especial. Sinto-me renascida. Quando fomos hoje ao banco pôr a conta em nome dele, percebi que me entreguei por inteiro. E fez questão de estar comigo até partir de viagem. Que mais provas quero? Amo-o como nunca amei ninguém. Quando ele voltar, vou fazer–lhe uma surpresa”.
Envolvida nestes pensamentos, Sofia preparou-se para atravessar. Nesse momento, uma carrinha com vidros escuros fez uma travagem brusca à sua frente. Dela saíram quatro homens com a cara coberta. Empurraram-na violentamente para a parte traseira do veículo. Tentou gritar “João, João”, na esperança de que o seu amor a salvasse, longe de pensar que, afinal, ele estava bem perto, mas prestes a pôr-lhe fim à vida.
Teresa Dangerfield
- Outubro 2022