«Falta-te o fôlego quando te assomas. No reflexo gelado da vitrina dos iogurtes, vislumbras a imagem, desfocada, daquela que outrora amaste.
Caminhas descompassado enquanto a bela morena enfia a cabeça no balcão do talho adivinhando a tua respiração ofegante. Continuas assombrado. Quem disse que algum dia ousarias voltar ao passado?
Tu não és o tipo de homem que frequenta o supermercado a estas horas da manhã. O teu cérebro navega desgovernado, tenta entender o que faz ela a trezentos quilómetros da casa de partida. Ela topa-te. Continua, impávida, a encher o pequeno cesto de rede azul. Será que te reconheceu?
Apressas-te a partir. Falta-te a coragem, como há seis meses, de reconhecer o teu fracasso. Em desalinho, nem dás conta da pilha de latas que derrubas à passagem, vislumbrando a linha de caixas.
O alívio consome-te quando a porta se abre. Terá sido uma miragem? Talvez o medo te esteja a toldar os sentidos e Sónia povoe tudo o que por ti graceja.
O 𝐶ℎ𝑎𝑛𝑒𝑙 𝑅𝑜𝑢𝑔𝑒 nunca engana e o para-brisas do teu carro é a prova viva do que, em letras berrantes, te traz a intempérie: «Algures no passado podias ter minorado a perda, mas talvez a perda não tenha sido assim tão grande… a minha.»