A chávena rolou pela mesa. Os bagos de arroz a pousar no chão lembram-me os dias em que a neve crepitava nas mãos sujas da terra.
Aguardo o leite para preparar a sobremesa para a consoada. O segredo é a casca de laranja, dizia a bisavó, curvada no preto. Eu, hipnotizada na dança da colher no tacho, ia comendo Esquecidos e fundia-me nos cheiros fervilhantes.
Pela janela miro o solar. O peso das estórias desta aldeia, engolidas na rugosidade da pedra, acompanha-me o volume do corpo. Sem reparar, trinco o pau de canela e sinto o polvilho dos beijos atrás da fonte ou na fogueira alta, no povo, que nos aquecia mais os sonhos do que os ossos. A cacimba pasma-se nos olhos. O que é feito de ti? Estamos no final de 1980, vinte anos passaram, e nunca voltaste de França. Sem coragem para fugir contigo, fiquei a atender telefones. Pelo menos, não me cruzava com pessoas…
Desperto com o riso dos miúdos a entrarem em casa. As paredes enchem-se de doçura e o cabelo esquece o branco que teima em aparecer. Trazem a bilha com o leite acabado de mungir e o correio. Um envelope timbrado: Escola de Hotelaria de Lisboa. Vou dar asas aos ensinamentos ancestrais. Depois, hei de soltar faúlhas geladas. Nos Alpes.