— Sabes que dia é hoje?
— Não me digas que queres fazer outra vez um piquenique?
— Ainda a semana passada tive todo o trabalho em preparar a cesta, perfumar a toalha para nada. Comprei o bolo de chocolate que me pediste, os pastéis de nata, até fiz crepes! Estamos no inverno. Está muito frio, não vale a pena esta maçada. Elas não aparecem…
— Sabes como isto me faz falta. Já passou tanto tempo. O verão é um instante e o inverno parece sempre uma eternidade.
— E se fizermos o piquenique em casa? Preparamos tudo igual. Só ficam a faltar elas. Queres experimentar?
— Não compreendes? É delas que preciso! São elas que me fazem sentir vivo.
— Não sejas injusto!
— Desculpa amor. Só faz sentido se for contigo. Sabes disso, mas elas são o ingrediente secreto. Já experimentaste! Sabes do que falo.
— Comigo não tem o mesmo efeito. Tenho um pouco de aversão. Confesso. Detesto senti-las sobre mim, a subirem de mansinho, outras vezes, tão apressadas, sem saber bem onde me irão tocar, qual a direção que vão tomar. É muito desconcertante.
— É isso que eu amo! O não saber, o desconhecido, a imprevisibilidade do seu toque, os seus movimentos errantes, se vai doer ou não. Se tiver de olhos vendados ainda melhor. Lembras-te daquela vez, no pinheiral? Mal, nos deitámos e nos despimos, começou a acontecer. Só de me recordar, fico louco!
— Nunca me contaste como descobriste isto?
— Nunca perguntaste. Foi um simples acaso. Coisas de quem vive no campo, com pouco ou nada para fazer. Mas, olha que não sou o único. Até tem um nome pomposo: formicofilia.
— Já vale a pena! Inventam nomes para tudo.
— Se não gostas de formigas, experimentamos com caracóis e a seguir, podemos degustá-los, bem devagar.