A Humanidade está a vivenciar um momento inédito. O momento em que algo exterior a nós, invisível, pequeno, mas tão mais forte, nos obriga a parar.
Há quem diga que nada será como antes. Não acredito. Ou melhor, algumas coisas irão mesmo mudar. O tempo, esse eterno revelador das vontades humanas, mostrará o que será alterado e o que irá permanecer. Cá por casa, por exemplo, descobri no sabão azul e branco, um grande amigo. Uma amizade que perdurará, muito após esta relação, agora forçada, terminar.
Dizem que na separação estamos ficando mais unidos, mais despertos para as necessidades do Próximo. Para mim, quem já assim era, assim continuará. Os outros, os que açambarcam a comida e circulam pela via pública como se possuíssem um manto de invisibilidade antivírus vão continuar iguais a si próprios. Indiferentes, cientes apenas das necessidades do seu umbigo.
Cada dia que passa, o sentimento de estar a viver um filme de ficção científica, terror e suspense acentua-se. Nos meus sonhos, as imagens reais avassaladoras de camiões militares em procissão fúnebre transportando os que perderam o fôlego da vida, misturam-se com cenas de filmes, onde me imagino barricada em casa, a última família viva, num planeta onde todas as outras mulheres, homens e crianças transformaram-se em seres indiscritíveis capazes de me roubar, o meu bem mais precioso – a capacidade de respirar.
Neste momento, os livros e a escrita são o meu principal escape.
Com os livros – esses meus companheiros de sempre – viajo, conheço outras culturas, outras vivências, sinto outras emoções que não o medo e a incerteza deste agora.
Com a escrita, descarrego a indignação, a raiva, a impotência de nada poder fazer a não ser esperar. Estou parada, mas sem parar. Digito no teclado com toda a convicção, as palavras confiança, comunidade, consciência, esperança, vida, acreditando que este meu exercício diário ganhará força, trará o músculo visível que outros quererão replicar.
Aproveitemos esta pausa para escrever. Criar histórias. A História que estamos a viver, a história que gostaríamos de ter vivido, a história que outros viveram. Histórias para os nossos olhos lerem, para as nossas crianças ouvirem, histórias para ficarem na gaveta como tantas outras ou para quem sabe, um dia, serem partilhadas. Misturemos realidade com imaginação. Criemos um final feliz para esta História que a Humanidade pulsa em uníssono, pela primeira vez, unida, não pelas melhores razões…
Aproveitemos este pausar do tempo, para estudar, aprender mais sobre algo ou sobre nós. Aproveitemos este tempo que não será tempo perdido, para olharmos para dentro e reescrever alguns capítulos. Tal como uma criação literária necessita de respirar, antes de ser relida, reescrita e revista, façamos o mesmo com as nossas vidas.
Proponho que leiam, leiam, leiam e que escrevam, escrevam, escrevam. Num diário, num caderno especial, em folhas soltas. Assentem os vossos sentimentos, palavras e as vossas ações – e que estas sejam verdadeiramente dignas de registo. Façam parte da História que querem ler no futuro. Porque os livros, a Escrita são isso mesmo – um legado que deixaremos para a posteridade.
Inventemos juntos, agora, um novo adágio popular: quem escreve os seus males espanta!
Deixo-vos, por ora, com estas palavras inspiradoras de Benjamin Franklin a quem agarrar este repto de escrita com ímpeto – “Ou escreves algo que valha a pena ler, ou fazes algo acerca do qual valha a pena escrever.” Aos outros, aos que não aceitarem o desafio, que as vossas ações conscientes, em prol do Outro, possam ser dignas dos tempos vindouros. Mais do que nunca, dependemos uns dos outros e nem é preciso fazer nada. Basta ficar em casa e parar. Mesmo sem estarmos parados.
Artigo completo no Repórter Sombra.