O “ofício da escrita”, como simpaticamente se refere João Tordo no seu novo livro, Manual de sobrevivência de um escritor, à atividade de quem escreve para viver, exige mais do que se possa imaginar.
Quem vive das palavras, e para as palavras vivencia momentos de sofrimento pela necessidade de produzir estórias, com impactos insólitos na sua existência. E não estou a falar do refúgio no álcool, sexo ou drogas. Deixo isso, a outros patamares existenciais, como os de Stephen King ou Ernest Hemingway, a quem é atribuído o epitáfio “Escreva bêbado, edite sóbrio.”,sem saber, se um dia, não “cá calharás”.
Falo da agonia de ter de escrever com prazos a cumprir, sem saber sobre o quê, e das resultantes agoiradas noites de espertina, estômago revolto, apetite voraz intercalado com jejuns mais do que intermitentes e uma profunda, constante ânsia de desistir. Tudo isto, resultante da necessidade de produzir algo – artigo, post para redes sociais, email – e não saber sobre o que falar, e por isso, procrastinar, até ao mísero instante do prazo por findar. Um problema transformado em dois: falta de ideias misturada com procrastinação igual a ansiedade desnecessária e perturbação.
Há quem não se lamente por falta de ideias. No outro extremo, há quem considere toda e qualquer ideia insuficientemente boa, e procrastine a “produção literária” até ao limite das suas forças. Todos os meses, considerar a hipótese de ceder. Prescindir da sua Voz. Desesperar. Sofrer. Verbalizar a vontade “este é o último!”, mas depois ultrapassada a dor, recomeçar, terminar. Sentir o elogio à palavra proferida. Esquecimento. E no próximo mês, tudo volta a se repetir.
Há quem encare o ato de escrita como um parto sofrido, de resultado execrável, mas o que esperar de uma curta gestação? A procrastinação é o grande empecilho que teima em persistir e que quando multiplicado pelo tempo, se traduz em angustiantes interrogações sem resposta.
E se não tivesse deixado para escrever à última hora?
Será que alguém vai perceber o vazio?
O que vão pensar das minhas palavras? E de mim?
Não há fórmulas mágicas ou conselhos milagrosos. Longe de mim, o papel de guru de autoajuda. Reitero com o conhecimento que os meus talvez ainda insipientes quarenta e cinco anos me proporcionam: tudo começa com o verbo. Pensar. Planear. Estruturar. Escrever. Ler. Rever. Publicar. Com a ação na escrita a encabeçar o verbo e uma boa dose de obsessão, o “ofício” de escrever vai-se tornando, cada vez mais um prazer, longe do sofrimento, mas sempre com uma certa dor. “A dor é inevitável. O sofrimento, esse sim, é opcional.” (Tim Hansel).
Artigo completo no Repórter na Sombra.