Chamo-me Simão e tenho dez anos. Nasci a vinte e cinco de dezembro, numa madrugada de inverno, com um frio descomunal, na casa da minha avó, em Bragança. Não me recordo dessa frieza invernal, mas é assim que a minha mãe descreve o dia em que me viu pela primeira vez.
Sou o mais novo de seis meninos. Nasci em casa, tal como todos os meus irmãos. A minha avó fora parteira e acreditava, não fazer qualquer sentido ir ao hospital, só para parir um filho. O meu nascimento foi o mais complicado de todos. Quase morri. A minha mãe também, esvaindo-se em sangue, deixando uma mancha negra que ainda hoje consigo enxergar no chão de madeira do quarto. Não sou o filho desejado. A minha mãe faz questão de me recordar isso todos os dias. “Mal empregues nove meses!”, grita, quando demoro mais tempo a sair da cama – que é quase sempre.
De manhã, tenho muito preguiça. Talvez, se adormecesse mais cedo, não seria assim, mas, é difícil pegar no sono, quando se divide o quarto com rapazes mais velhos que insistem em jogar Playstation e namorar ao telemóvel.
Sei que a minha mãe e a minha avó já não têm a mesma paciência. O meu pai, raramente aparece. Ao contrário das mulheres da casa, o meu pai tornou-se mais meigo. Falta-lhe é tempo para estar comigo. É isso que me segreda ao ouvido quando vem aos fins de semana e me leva ao parque para jogarmos futebol juntos. Não lhe conto nada sobre o que a minha mãe me diz e o que isso me faz sentir…Nem lhe conto que tenho uma marca do cinto cravada nas costas, como castigo, por ter simplesmente nascido, fora do tempo. Quero que aqueles momentos sejam perfeitos. Só meus e de meu pai!