Tocava à campainha todos os dias.
Um sorriso pelas dez da manhã acalmava-me o nervosismo, e eu retribuía com um caloroso “Obrigada e bom trabalho!”, fechando a porta com gentileza.
Era o meu primeiro emprego, e aquele ritual matinal dava-me o fôlego necessário para enfrentar as exigências de um diretor autoritário e de uma equipa hostil, que se recusava a dirigir a palavra à nova colega.
Ser a mais jovem naquela equipa ressentida não era fácil. Após a diretora de recursos humanos anunciar na reunião de boas-vindas que a nova secretária executiva terminara o doutoramento com distinção, enaltecendo a satisfação de ter nos quadros colaboradora nota máxima, vi lábios tremerem de ciúme. A inveja é uma víbora que não perdoa.
Sentia-me como uma pérola numa concha tosca. Fechada, impedida de brilhar perante a mediocridade que me rodeava.
Aquele sorriso e olhos honestos, reflexo da simplicidade de quem vive em paz, sem medo de mostrar a inocência — tão contrário ao veneno destilado entre teclados e ecrãs — era o bálsamo, o antídoto para a realidade de infinitos e-mails e papelada.
Não consigo precisar o momento exato em que comecei a ansiar pelo som da campainha, nem quando passei a saltar da secretária, antecipando aquele sorriso, mais cativa a cada renovada visita.
Talvez fosse aquele jeito ingénuo e despreocupado que me conquistava, ou melhor, que me arrebatava.
Assim se explica a audácia de, numa certa manhã, ao receber a correspondência, atacar em silêncio, como uma predadora astuta, o desprevenido carteiro, entregando-lhe na mão um atrevido post-it amarelo, onde alinhei nove maliciosos dígitos. A mensagem incendiou-lhe a mão masculina e, num instante, a predadora tornou-se presa. Diante de mim, agigantava-se um deus, e os meus lábios, desprevenidos, foram capturados entre a porta entreaberta e um elevador que subiu rápido de mais.